quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

as mil e tantas horas de hoje - maria andersen

a rua é este passado antigo –

ombros carregados com gravatas dos lados

ao ritmo cerebral que nos rasga em tropel o corpo

- estupor ofício –

é preciso que a noticia corra de boca em boca enorme e intransponível

como um ofício devastador e profundo

- se o amor fosse esta lírica expiando frutos

este tempo imigrado e imprevisto -

mas o amor é esta vastidão de séculos e de diálogos sibilinos –

lâmpadas a fundirem-se a transbordarem o coração

com um tormento envaidecido

e a vida imensa que perseguimos

- será a brevidade o tempo da inocência

bordando-nos rosas na boca?

há-de-nos cantar imensa a eternidade

com violinos queimando-nos a pele

- passarão as horas e as rosas quando aqui estivermos

sentados à varanda – mas não passaremos nós

digo-te agora – que o poema

é este rosário com martelos a partir

os ponteiros dos relógios

- somos tão contemporâneos

com uma comoção intacta no arco da garganta

ah dizer-te que desabito as horas

que este sumário de dias virados para dentro

é este trajecto em direcção a ti

- determinaram-nos o sexo – o retrato – os anos

prever-te o nome não me estava reservado mais do que amar-te

se soubesses que do que sei há tanto que ignoro

bebo-te neste vinho das palavras e estremeço

pudesse a saudade sacudir os gestos e os espasmos

pudesse eu ter outra pátria

mas a minha terra és tu como uma língua de fogo profunda

a apelar-me ao coração

- a ânsia é uma eterna viagem

o espelho vida e razão de que a memória é diário

que sangue – que corpo interminável – que porta –

que fogo estranho me pode salvar mas do que tu ?

as palavras são como horas degoladas

onde sofremos esta mesma nostalgia

talvez a vida seja outra vida estranha e simples

e a nossa espera o lume a que eu sempre regresso

ah instante – cidade sem pássaros

como um precipício à beira da boca

desonesto infinito – abrindo-nos os olhos

“ as mil e tantas horas” de hoje

o coração é filho da vida

e a nudez é toda dentro de nós

eis-me – poeira privada neste pedaço de terra

onde choro com ideias nos olhos condenados à morte

meu amor – este uno plural - nós

onde o leito é esta solenidade

vazando-nos os olhos com pássaros sem bico

corda com que me ataste de vida o peito

parindo-nos astros no centro


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