segunda-feira, 2 de julho de 2012

último poema - maria andersen

divide-se o sol - o olhar  -  a luz
divide-se a voz -  o grito -  o tempo
divide-se a vida - o corpo - a fome
dividem-se os cigarros -  os pulmões -  a música
divide-se a espera -  as flores -  a saudade
divide-se o caminho - o peso  - a escravidão
o poema - o riso - a ambição
tudo quanto buscamos –
dividem-se as cores - as palavras - a calma
dividem-se as greves - os genes - a ciência
divide-se a água -  o ouro -  a rua
e tudo em  que nos contemos
vem
entra no meu abraço e come maçãs  -  aqui a terra é abundante
e eu componho entre os corpos partituras
tens os olhos cobertos de ternura  -  flechas como velas desamparadas
 como o cansaço dos vitrais
e há dias em que o silêncio é como uma fuga de Bach
um manuscrito de amor  -  tão rente aos olhos
estou aqui a jusante do coração
onde se soletra letra a letra o último poema.

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