quarta-feira, 18 de março de 2015

apócrifos

o poeta do adeus
conversa discute com
o poeta dos ateus
e segundo mateus
haverá prorrogação
marcos diz que
com morte súbita
joão com morte morrida
e lucas
que sem luz
não há jogo!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

distraídos

pelas mulheres, distraídos vão os homens indecisos
belas mulheres distraímos, como os homens convencidos

convencidos, os indecisos homens vão como traídos
pelas belas mulheres

férias

desde que criou
deus
a humanidade
não saiu de férias

de férias
deus saiu
desde que criou
a humanidade

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

todas as almas são estadistas - fátima meireles

1.

por esta retina - lentes polidas
sem vagar entra entretida a civilização
escura a viagem - latitude adentro desordenada
espécie a trovejar nos dias em que prossigo
ganha-se e perde-se o corpo - preço da pátria
sinecura - a remota eternidade 

2.

há o sono
a insónia
uma referência natural 
o tamanho do mundo
a incógnita relíquia do peito
a vida culta lendo no torpor da noite
como se as palavras fossem um acaso
penso e a sensação é vinho
uma espécie transbordante de coisa maior
o amor uma singularidade
a alma como um gafanhoto no desalinho da emoção
estou feliz -uma vontade cantando de certo modo alargando-me o corpo
um luar vem daí
 a  erguer os braços até aos olhos
espectrais os sonhos a talhar-me a arte 
na direita inquietude dos sentidos

3.

hoje o dia sangra
tudo dói de brancura e o corpo é verde nas palavras
de azul a mandala e o prato  - rústica a presença
sua-me o desassossego de ti
aigle soa-me por todos os lados 
os Alpes são livros  enormes
caiando a noite 
por vezes cada ideia é uma fogueira
um estandarte ao relento a rezar poemas

4.

tenho bocas com partituras dentro dos dedos
o poema é esta hora de mim
e candelabros frios lá fora
os instantes - barbas encapossadas de olhos migrantes
do lado esquerdo choram-me as letras
choca-me o vazio que esventro contra a neve
garanto borboletas em ciranda com figuras de romance
a forma do verso é uma prostituta
um karma de céus e de abismos

5.

atrasei-me no cedo em que me criei
gira-me um misto - um buraco louco e sinistro no comentário
a vila é cidade roubada 
um vale onde a altura caí
todas as almas são estadistas -
infinito é o rastro
 e a sílaba 
o antebraço do poema
o moço movimento

6.

o tempo um carrossel 
sofro de aritmética nos ombros 
 e caiem-me uvas dos dedos
baco vive no desejo da noite - acordando pirilampos
com música -
choro cérebro com a mesma monotonia do céu
a inaudível tecelagem - o piano concreto dos dedos onde aprendo
as nuvens são vastas e altas - os olhos devem ciprestes a ninguém
todos os mendigos são resquícios de ocasião
 o tempo um hipoteca de imaginação
infiltro  nas palavras todo o surrealismo que a cabeça grita
os sonhos são regatos dentro da cabeça
com inclinações a tragédias - os jornais produzem bairros de lata cansados

7.

o cigarro
tolda-me os olhos a paisagem
esse orvalho medieval - um aposento perdido
morro a horas tardias  - onde o poema evoca rituais 
entre os dentes séculos - na mão gaze - nos olhos nervos
o lugar é extenso e tem fatalidade no corpo
à tona a náusea deste tempo
sou anarquista e vou a paris com estômago e idealismo
as minhas palavras são pajens
a contemplar as ruas 
curto interlúdio onde guardo felicidade
o papel transborda o que sinto
reencarno desejo 
quando me chora esta marcha de cílios
o que me tange os dedos é esta espécie de procissão
momento acrobata de existir.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

bate-papo

as madrugadas proletárias
 comeram todo aquele sonho
 sobrando apenas fumaça e café
 além de um bate-papo que dispõe
entre a cabeça e o dedão do pé

as madrugadas boêmias
comeram todo aquele sono
sobrou apenas ressaca e camembert
aquém de um bate-papo distante
entre essa cabeça e uma outra qualquer

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

voam no asfalto


os anos caminham na rua
os peixes voam no aquário azul
as águas derramam no asfalto
os cacos caminham anos-luz
na rua vão os peixes azuis
no asfalto as águas voam
o aquário derrama o céu

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

ignoração - maria andersen





de repente o rosto é uma ignoração
um escravo absurdo do tempo com olhos cavos
portas lentas no repouso - recriando-me
canto todos os sóis condenados às horas  sonolentas
brilha-me a impoluta virgem 
a tia com visões onde se cerram sonhos
na cama prematura - irreparáveis palavras 
na mão com que as escrevo tudo me tarda
e choca-me a interrupção 
as horas  diurnas e nocturnas tão selvagens
- a eternidade por vezes tem a sua razão
a fé onde se violenta o tédio grego
- às coisas intelectuais  da solidão
pergunto-me -
tenho em mim todos os vícios?
sou o objecto do momento com cegueira ? 
onde me sofrem as virtudes ?
converto-me à singularidade 
de mendigar palavras ?
a alma é como um apeadeiro
abrevio todas as fugas 
e estou aqui 
sobriamente desacompanhada 
e o barulho a fazer vale nos ouvidos

toda a noticias -
é um labirinto