segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

todas as almas são estadistas - fátima meireles

1.

por esta retina - lentes polidas
sem vagar entra entretida a civilização
escura a viagem - latitude adentro desordenada
espécie a trovejar nos dias em que prossigo
ganha-se e perde-se o corpo - preço da pátria
sinecura - a remota eternidade 

2.

há o sono
a insónia
uma referência natural 
o tamanho do mundo
a incógnita relíquia do peito
a vida culta lendo no torpor da noite
como se as palavras fossem um acaso
penso e a sensação é vinho
uma espécie transbordante de coisa maior
o amor uma singularidade
a alma como um gafanhoto no desalinho da emoção
estou feliz -uma vontade cantando de certo modo alargando-me o corpo
um luar vem daí
 a  erguer os braços até aos olhos
espectrais os sonhos a talhar-me a arte 
na direita inquietude dos sentidos

3.

hoje o dia sangra
tudo dói de brancura e o corpo é verde nas palavras
de azul a mandala e o prato  - rústica a presença
sua-me o desassossego de ti
aigle soa-me por todos os lados 
os Alpes são livros  enormes
caiando a noite 
por vezes cada ideia é uma fogueira
um estandarte ao relento a rezar poemas

4.

tenho bocas com partituras dentro dos dedos
o poema é esta hora de mim
e candelabros frios lá fora
os instantes - barbas encapossadas de olhos migrantes
do lado esquerdo choram-me as letras
choca-me o vazio que esventro contra a neve
garanto borboletas em ciranda com figuras de romance
a forma do verso é uma prostituta
um karma de céus e de abismos

5.

atrasei-me no cedo em que me criei
gira-me um misto - um buraco louco e sinistro no comentário
a vila é cidade roubada 
um vale onde a altura caí
todas as almas são estadistas -
infinito é o rastro
 e a sílaba 
o antebraço do poema
o moço movimento

6.

o tempo um carrossel 
sofro de aritmética nos ombros 
 e caiem-me uvas dos dedos
baco vive no desejo da noite - acordando pirilampos
com música -
choro cérebro com a mesma monotonia do céu
a inaudível tecelagem - o piano concreto dos dedos onde aprendo
as nuvens são vastas e altas - os olhos devem ciprestes a ninguém
todos os mendigos são resquícios de ocasião
 o tempo um hipoteca de imaginação
infiltro  nas palavras todo o surrealismo que a cabeça grita
os sonhos são regatos dentro da cabeça
com inclinações a tragédias - os jornais produzem bairros de lata cansados

7.

o cigarro
tolda-me os olhos a paisagem
esse orvalho medieval - um aposento perdido
morro a horas tardias  - onde o poema evoca rituais 
entre os dentes séculos - na mão gaze - nos olhos nervos
o lugar é extenso e tem fatalidade no corpo
à tona a náusea deste tempo
sou anarquista e vou a paris com estômago e idealismo
as minhas palavras são pajens
a contemplar as ruas 
curto interlúdio onde guardo felicidade
o papel transborda o que sinto
reencarno desejo 
quando me chora esta marcha de cílios
o que me tange os dedos é esta espécie de procissão
momento acrobata de existir.

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