quinta-feira, 12 de julho de 2012

bons dias - carlos emílio faraco

Bom dia aos desajustados, em que Deus testa diariamente uma cruel necessidade de apertar parafusos.
Bom dia aos alegres e sua capacidade de criar cenários que estimulam nossa vertical necessidade de protagonizar a vida.
Bom dia aos chefes que acordam capazes de esquecer o prefixo sub- e mentalmente perfilam pessoas.
Bom dia, meu poeta pensador que pinça palavras com perfeição!
Bom dia aos que fundem conteúdo e continente para tornar-se fontes e ressuscitar a limpidez da água.
Bom dia aos que acordam como plumas, apesar das inevitáveis humanas penas.
Bom dia a todo aquele que ao acordar estende a māo para tocar a outra metade adormecida de sua alma.
Bom dia aos que nāo foram convidados.
 Bom dia aos que acordam e exercitam o pescoço a 90 graus - os fatos nāo estāo na tela; estāo na vida.
Bom dia a quem se olha no epelho e constata: minhas pálpebras nāo sāo cortinas - nada a esconder.
Bom dia a quem acordou com a respiraçāo suave, por pressentir a plumagem da amada em repouso.
Bom dia a quem acordou substituindo um Sol lambido por um sol sustenido. Desses advirá a música.
Bom dia a quem escolheu destruir a simetria dos chinelos à beira da cama para andar passos irregulares.
Bom dia aos que sentiram o cheiro de café quente e respiraram aliviados: "Minha casa está viva!".

quarta-feira, 11 de julho de 2012

pelos olhos

os olhos puros
no duro olhar
a derrubar os muros
pela base
pelos murros
olhai os burros
engrandesce-te
pela base
pelos puros
pelos olhos
urro!

terça-feira, 10 de julho de 2012

dança do universo

no tempo em que deus criou todas as coisas
criou o sol
e o sol nasce e morre e volta a nascer
criou a lua
e a lua nasce e morre e volta a nascer
criou as estrelas
e as estrelas nascem e morrem e voltam a nascer
criou o homem
e o homem nasce e morre e não volta a nascer


POEMA SUDANÊS DE MAGIA - VERSÃO HERBERTO HELDER - FOTO AMÉLIA LEDO

pé serve para
andar acelerar
calçar descansar
pisar
em uvas
chupar
jogar futebol
acariciar
barriga de grávida
casar com a perna
e ter
dedos

quarta-feira, 4 de julho de 2012

olhar / ilhar - carlos emilio faraco

Prefiro olhar o de fora - pitanga, mar, dromedário -
A espiar o de dentro - raiva, gastura, temor.
Porque o de fora se olha
E o de dentro se entrevê.

Os olhos,
Estando de fora,
Não conseguem
Se dobrar
qual folha-seca perfeita,
Onda na rama do mar,
Para fazer do de dentro,
Um de fora de se olhar:
A menos que então se curvem,
Como se fossem anzóis...
Mas nesse caso eles fisgam,
Puxam o de dentro pra fora,
Fazendo virar o de dentro -
Só por ter sido visto
(que difere de entrever) -
Um de fora arregaçado,
Mefisto sem sutileza,
Mero objeto olhado,
Ilhado em cima da mesa.

Dessa forma,
O que é de dentro
Puro sujeito é,
Refratário ao nosso ver.
É coisa de se entrever,
(Como o conceito de mar)
Impermeável à ideia
De ser coisa de se olhar.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

último poema - maria andersen

divide-se o sol - o olhar  -  a luz
divide-se a voz -  o grito -  o tempo
divide-se a vida - o corpo - a fome
dividem-se os cigarros -  os pulmões -  a música
divide-se a espera -  as flores -  a saudade
divide-se o caminho - o peso  - a escravidão
o poema - o riso - a ambição
tudo quanto buscamos –
dividem-se as cores - as palavras - a calma
dividem-se as greves - os genes - a ciência
divide-se a água -  o ouro -  a rua
e tudo em  que nos contemos
vem
entra no meu abraço e come maçãs  -  aqui a terra é abundante
e eu componho entre os corpos partituras
tens os olhos cobertos de ternura  -  flechas como velas desamparadas
 como o cansaço dos vitrais
e há dias em que o silêncio é como uma fuga de Bach
um manuscrito de amor  -  tão rente aos olhos
estou aqui a jusante do coração
onde se soletra letra a letra o último poema.

domingo, 1 de julho de 2012

de fora pra dentro - carlos emílio faraco

NO JARDIM
Um amor-perfeito
com defeito.

NA PAREDE
Um anjo
tocando
banjo.

NA CAMA
Uma freira
cheirando
uma carreira.

NO TRAVESSEIRO
Um bordado
acordado.

NA CABEÇA
Um ego
no prego.