quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Eróticos Anônimos

“Eróticos Anónimos “ Obra poética de Dimi Éter.

Por: Maria Andersen

Na arte e especialmente na arte poética, as palavras são sempre portadoras de vários
sentidos e interpretações, que quebram o silêncio e nele aquilo que o silêncio sem
palavras não consegue. Falar de poesia, nunca foi tarefa fácil. Nela revelam-se fluxos
da alma, imprevisibilidades do pensamento, sensações, gritos, gemidos como uma
dança de vários ritmos onde o poeta, (e falo concretamente de “Eróticos Anónimos”)
nos oferece com tacto – onde as mãos rasgam a prumo o denso nevoeiro e revelam
com ousadia a outra face. Esse quê da alma, de outra forma indizível e que nem da
própria sede se sacia, na intransigência de tudo consumar até à plenitude nesse grau de
exigência consciente perante a vida, o mundo, o outro e nós.

Em “ Eróticos Anónimos”, a palavra rompe barreiras, e, na sua subtileza atinge os
sentidos e expressa-se neles. O poeta, tem o poder da palavra, nesta obra que acho
imperdível. Neste “naco” de existência, percebe-se que “Eróticos” vem do ancestral,
que “ Anónimos”, vem de tantos rostos, de tantos corpos, de tantos sentidos, em todos
os tempos. Aqui as palavras são sensações e relâmpagos. O corpo não tem outra voz,
senão a voz do poeta. Na ousadia, na sensualidade, no humor, na forma na raiz do
corpo e o que nele se exalta como uma dança ébria de infinitas canções, o poeta Dimi
Éter aqui oferece-nos uma fonte de “mil águas” com humor e despudor, com saber e
sabor.

Ao longo da História da Humanidade, o erotismo foi quase sempre e pela
maioria sujeito a deficientes interpretações, a maus olhares, a desconfianças, a
separação de grupos. Deu origem a religiões castradoras – Das nossas interpretações e
visão, depende a cultura psicológica e intelectual de cada um e de cada época. Por
isso, ou o limitamos ou o ultrapassamos. Pelos séculos, o erotismo como a sexualidade,
foram temas reprimidos, vistos como invasores e agressores à moral. Foram ( e são!
) temas que faziam e fazem corar muitos rostos. Com que razão? Não é o erotismo
o mais natural que possuímos em nós, e, dentro do ser? Não é ele o encanto e o mais
belo jogo dos amantes? Aqui, nesta forma de existir, dá-se a integração, a fusão. Aqui,
agora, reforça-se esse antiquíssimo modo de ser, essas porosas águas da alegria, onde
se dissolvem os limites do tempo cronológico, do espaço físico, do palpável – aqui
nesse lugar eterno onde se diluem as fronteiras – onde só o corpo fica e é terreno
infinito – Ele, que só vive na e da matéria dos sentidos. E dos sentidos percebemos
e recebemos as sensações que vem e vão - livres de amarras no intelecto, na pura
graça da origem, dando sentido à realidade. Uma realidade de encontro com a unidade
inicial e intacta – o êxtase amoroso, o banquete maior do homem e da mulher – dos
sexos “esses pobres e eternos famintos” que nunca se saciam. Como o diz de forma
tão bela este poema de Safo traduzido por Quasimodo “ Como a doce maça que rubra/
muito rubra lá em cima, no mais alto do mais alto ramo/ os colhedores esqueceram;
não,/ não esqueceram,/ não puderam atingir.” Não é essa, a justa medida de não saber
dizer mais claramente as coisas mais intimas? A cadência do coração teimoso sobre
a pele, a repetir que é sempre o mesmo rebelde? E assim, escancarar as palavras, não
na voz, mas nas sensações. Dimi Éter prima pelo culto do poema breve, influenciado
certamente por alguns dos seus poetas de eleição, numa espécie de música verbal .

Sem tabus, o poeta como ser livre de códigos, de religiões, na sua única religião, a
liberdade. Desnudo perante o mundo e o outro. Exposto de corpo /alma, porque tudo
nele busca e revela esse paraíso perdido e nele é reencontrado. Corpo que em súplica
recebe e oferece. Corpo que é mastro e que é flor. Será que a força das palavras é no

essencial a máxima expressão do erotismo? Talvez…

Desde os primórdios que o erotismo é debulhado na arte e muito na arte poética.
Eros, sempre acompanhou a Humanidade. Desde o jardim do Éden, passou pela antiga
Grécia. Foi cantado pelo Rei Salomão no corpo da amada, e o que no corpo se busca
e se bebe. Já Ovídio há 2000 anos, o deixou como lição engastada a pedras preciosas,
no seu livro “ A arte de amar”. E o que dizer das águas de Li Bai, ébrias de ternura que
correm até aos dias de hoje. As de são João da cruz tão abrasadas de amor, o rio denso
de Claudel, de leito cheio e fértil e “ morro perto da fonte à míngua de água” (Villon).
Todas essas ocultas águas dadas a beber num só olhar…

Foram muitos os que deixaram, ao longo da História da Humanidade, preciosos
contributos para uma maior sabedoria e conhecimento de nós mesmos. Dar alma às
palavras exorcizando os tabus. Estar de alma e voz aberta à pureza das sensações,
dos sentidos, do riso, das coisas simples como o olhar , o toque, o cheiro e os fluidos,
as carícias de todos os tamanhos e posses. E o olhar como um pequeno sismo que
me eleva à altura da tua boca sobre cada gesto. A palavra, é esta súbita urgência esta
modalidade de actos…Foram tantos os que ousaram ser fora da lei, chamados
de perversos do mundo, de malditos . Outros lidos e sorvidos, com subtil e até
envergonhado encanto .E são tantos os que ainda ousam… Nada há de mais belo na
Humanidade e ao mesmo tempo de tão mal tratado e reprimido.

Com o “ savoir –faire” de Dimi Éter, na sapiências da sua voz e do seu humor, no que
nos revela e da forma como se revela. O sentir que bebe e dá a beber nas palavras
como água fresca de uma fonte serrana. Assim Dimi Éter, desconcerta, provoca
risos e sorrisos. Na sua ousadia às vezes mansa, às vezes rebelde ( mas não é a
ousadia, rebeldia?!) – a desfazer-se em orgasmos com línguas de mar a penetrar as
rochas mais duras e teimosas, que aliás se transformam em grãos de poesia .

Sabe-me a pouco, tudo o que me mexe por dentro. Os acasos da vida numa herança de
memórias onde sempre regressamos… Tudo o que quebra esta aparência cinzenta das
vozes puritanas. É magnifico este repentino arrepiar de pele que me toma, nos toma,
nas mais secretas vivências da alma, do corpo. do ser.

Dimi ousa ser isto! O poeta não podia, nem pode ser diferente! Mas o poeta é muito
mais …há nele tanto a descobrir. Ele, um corajoso que vai contra o puritanismo social,
contra o formigueiro daqueles falsos pudicos, contra as máscaras de pelúcia da moral
pública Aqui sentimos um puro relâmpago. Uma chama que nos arde entre as mãos
ao ler os seus poemas – cabe a nós, não interpreta-los apenas pela rama, mas saber
descer até ao fundo mais fundo da raiz, daí brota o que de mais belo há à face de tudo
- Aqui, neste escasso tempo dos nossos olhos, está uma escrita exigente, sensível. Uma
alta fasquia das palavras que são mais do que elas. Quebrem-se os mitos, os beatos,
aqui entra o discernimento na cadência do humor, no fulgor dos verbos que se erguem
como bandeiras de sensações, de gritos e ….assim se reveste de alento o corpo e a
vida - Eros inteligente. Aqui a poesia é repleta de sugestões criticas a essa espécie de
obscurantismo. Aqui o corpo é talismã da única possível realização da alma, não só
pelas sensações, mas pelas emoções, pela luta musicada dentro do poema. Pelo dizer
do corpo e de outro corpo para além deste corpo táctil, que não tem voz senão a voz do
poeta!

Ponte de Lima, Novembro de 2011

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