Pepe Filho é brasileiro e DJ na noite de Sampa |
Nesses tempos turbulentos pré Golpe de Estado, a guerra de informações e a manipulação ideológica permeia tanto as mídias convencionais quanto as alternativas e livres. Em termos de comparação de forças e orçamentos, os conglomerados aparelhados pelos partidos direitistas são gigantes Golias frente aos nanicos Davi de esquerda, geralmente ligados às demandas sociais. Tradicionalmente – e para quem acompanha a vida política no Brasil nos últimos quarenta anos, ou para quem está bem a par da História do Brasil nestes últimos cem anos – isso é deveras sabido: a direita tem pouco ou nenhum compromisso com conceitos como Ética, Moral e fidedignidade de conteúdo, o que, via de regra, não costuma ocorrer com os canais esquerdistas. Obviamente, toda regra tem as suas exceções, as quais somente reforçam e confirmam a regra.
Dia desses observei em minha plural e heterogênea rede de contatos uma certa quantidade de pessoas negando o óbvio, que há um típico Golpe de Estado em curso. Inclusive, um Golpe que copia descaradamente táticas de desinformação e acusações baseadas em factoides do Golpe Militar de 1964, aquele que mergulhou o país num período de trevas, ausência de liberdade, alienação do povo e eliminação de opositores através de prisões ilegais, torturas, estupros e assassinatos. Marchas de “cidadãos de bem”, evocações de Deus, acusações de posse ilegal de apartamentos, maniqueísmo mal subsidiado, manipulação escancarada do judiciário, etc. Mesmo frente a esses carimbos, ainda se nega o Golpe.
Mas porque se trata de Golpe de Estado? É golpe porque não se tira, dentro das leis e do Estado Democrático de Direito, um presidente do poder à força só porque não se gosta dele, ou só porque a presidenta é mulher, feia e gorda, ou só porque não se gosta do partido dele, ou só porque não se votou nele, ou só porque ouviu dizer que ele é corrupto, ou ainda só porque ele se mostrou incompetente. Só se tira um presidente eleito legítima e democraticamente pela maioria dos brasileiros caso ele ou ela cometa algum crime. E isso tem que ser verdade que salta aos olhos, com provas indubitáveis, e não somente por ter saído num tabloide de fofocas travestido de revista jornalística semanal séria, ou na Rede Globo, ou qualquer outro meio de comunicação do conhecido como P.I.G., ou porque ouviu um juiz claramente partidário e corrupto dizer, ou ouviu de um senador corrupto, traficante e espancador de mulheres, etc. Tem que haver PROVAS, em caixa alta. E quando importantes setores da sociedade (industriais, imprensa, judiciário, partidos de direita, etc.) se unem para tirar a atual presidenta do poder sem essas provas, à força, baseados em provas forjadas e factoides sem prova alguma, liderados por políticos corruptos, a isso se dá o nome de Golpe de Estado. Porém, caso essas provas reais e indubitáveis apareçam, daí não se trata de golpe, e sim um simples “impeachment”, o qual todo cidadão legalista, independente de sua posição no espectro político ideológico, deve apoiar. Já um Golpe de Estado, todo cidadão de bem deve combater, pois o que está em risco são os pilares da Democracia, de nossas leis, da Constituição, do Estado de Direito, da estabilidade social, dos princípios de isonomia, de imparcialidade e de presunção de inocência. Uma vez que esse limite é ultrapassado, ninguém mais estará imune.
Tudo isso me fez pensar: o que leva um cidadão, muitas vezes bem instruído, a não enxergar (ou negar) o Golpe em curso? Porque esse Golpe é tão claro e óbvio para uns e não para outros? Encontrei algumas respostas e, para simplificar de maneira quase conceptista, reuni os que negam o Golpe em dois grupos: dos alienados/manipulados e dos corruptos/mal intencionados. Desculpe-me o leitor que se ofender pelo rótulo, essa não é a intenção, mas sim o didatismo.
De um lado, há as pessoas que não possuem todas as informações necessárias para o saber, e as informações que possuem vem justamente da mídia comprometida com a manipulação político-ideológica direitista. Esses acreditam fielmente nas notícias que leem, e não possuem subsídios histórico-sociológicos para questioná-las. Esses eu classifiquei como alienados e/ou manipulados.
Por outro lado, há os que tem muito a perder com o governo atual que permite (algo que não ocorria antes, como explicado adiante) investigações de esquemas de corrupção. Ou aqueles puramente preconceituosos, que não admitem no poder um partido vindo das classes trabalhadoras, nem um metalúrgico de chão de fábrica, nem uma subversiva dos anos e chumbo. E há ainda a parcela extremamente preconceituosa da elite e das classes média-altas que simplesmente não admitem compartilhar acesso aos mesmos ambientes antes exclusivos, como certas universidades, shoppings, aeroportos e destinos turísticos. Esses são corruptos e mal-intencionados, pois sabem muito bem que estão do lado errado, e negam o Golpe ou por ter algo a perder com o atual governo ou por colaborar voluntariamente com a desinformação.
E porque se tenta um Golpe de Estado no Brasil? Penso que os motivos vão um pouco além da pura e simples disputa partidária pelo poder. Ocorre que um poderoso grupo político, representante dos direitos das mais altas e importantes camadas das elites, perdeu as quatro últimas eleições presidenciais, e vive (ou vivia) a real perspectiva de perder a quinta eleição seguida. Não que o partido que está atualmente no poder seja perfeito, ou unanimidade, mas esse partido subiu consideravelmente a qualidade de vida e o acesso ao mercado cultural, intelectual e de consumo da parcela da população que constitui a base das pirâmides social e econômica. E esse acesso incomodou muito a elite, em grande parte por simples preconceito. O outro motivo – e provavelmente o preponderante – é que o atual governo federal “permitiu” (sic, entre aspas) investigações um pouco mais sérias e profundas nos seculares esquemas de corrupção, ao contrário dos governos anteriores que dificultavam ao máximo essas investigações, seja extinguindo comissões de investigação, ignorando solenemente acusações e provas ou engavetando processos. Isso porque esses grupos políticos eram justamente os que estavam no poder e eram os mesmos que implantavam e comandavam os esquemas de corrupção. Derrubando o atual governo, as investigações cessam antes de atingir os corruptos tradicionais, e esses voltam a assumir o poder e a primazia sobre a corrupção.
E como se constrói um Golpe? Primeiramente, através de muita manipulação ideológica midiática. Diariamente, constantemente, a conta-gotas, assedia-se o povo com notícias negativas sobre um grupo político e positivas sobre outro – independentemente da verdade. Ênfase para esta última frase. Desse modo, se forma no subconsciente dos indivíduos a convicção de que um grupo é corrupto, do mal, e o outro é honesto, do bem. Depois, instala-se um denuncioduto: uma sequência de acusações de crimes baseados em factoides, ou em delações fajutas vindas de flagrantes corruptos em busca de redução de pena, ou essas delações são obtidas através de coações e torturas, e vaza-se seletivamente trechos editados dessas para a imprensa continuar seu trabalho de manipulação do povo. Daí instala-se na população a indignação seletiva, que é quando a ideia de que um determinado partido é corrupto está tão solidificada na cabeça das pessoas que elas passam a ignorar completamente a corrupção dos outros. A imprensa do P.I.G. também faz seu importante trabalho, ignorando solenemente a corrupção – na maioria das vezes permeadas de provas – de um lado, e evidenciando a de outro – na maioria das vezes sem prova alguma. Outra ferramenta importante do Golpe é o aparelhamento do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal. Com uma maioria partidária, investiga-se só um lado, prende-se só de um lado, ignora-se o outro, que continua blindado, com carta branca para a corrupção desenfreada.
Não vacilemos. Precisamos de união e de informação de qualidade, com confiabilidade e, principalmente, de força. Com o Golpe, rasga-se a Constituição, acaba-se com o Estado de Direito, assassina-se a Democracia e se tira um governo legítimo do poder à força, sem que essa tenha cometido crime algum, sem nenhum motivo legal para tanto, mas com ares de que tudo ocorreu dentro da legalidade. Com o Golpe, ninguém está imune.
Digamos, todos, não ao Golpe!